21/10/21

Bruno Faustino: “Aguardo superar o destino migratório da minha família”

 Educador social de Burela trabalha com famílias e menores em risco de exclusão na localidade de Sigüenza (Guadalajara)

Noemy Cardoso dos Reis Borges

Bruno Faustino nas aulas de alfabetização digital para pessoas 
adultas


Bruno Faustino (Burela; 1988) é graduado em Educação Social pela Universidade de Santiago de Compostela. O que tem sido presidente da entidade nacional galega de Altair Galiza (de 2012 a 2017) e coordenador em Burela (entre 2011 e  2018) da sua filial, Chao de Castro, é o responsável de um programa de inclusão da Junta de Comunidades de Castilla la Mancha. Em coordenação com os serviços sociais do município de Sigüenza, atende menores e famílias em situação de exclusão social. Em vista de que uma das suas metas é conseguir um trabalho na nossa terra, continua alargando o seu curriculum com novos títulos como o do Mestrado de Professorado de Educação Secundária ou o Mestrado em Educação e TIC (na Universitat Oberta de Catalunya) que o capacitem para ser professor especializado para gerir e criar espaços de aprendizagem em linha. Com esta entrevista, reforçamos os vínculos entre a Galiza e Cabo Verde.

 

 

O nosso interlocutor é migrante entre migrantes. A circulação discorre pelo mesmo itinerário, mas em sentido contrário: da Mancha para a Galiza e da Galiza para a Mancha.

 

Sou filho de uma família que durante gerações emigrou na procura de novas oportunidades. Por motivos laborais. A minha mãe, Alfonsa Durán, nasceu na Estremadura, mas foi criada em Palencia e Madrid; meu pai, Gaspar Faustino, é nascido em Ciudad Real. Vieram à Marinha para trabalhar na fábrica de "Alúmina Alumínio" (Hoje Alcoa). Antes disso já tinham desenvolvido um longo percurso migratório por Castela, as Astúrias, Andaluzia, Ceuta e as Ilhas Canárias.

 

O Faustino, que também pode ser nome, neste caso é apelido. Qual é a sua origem?

 

A  origem da saga dos Faustino está em Portugal. O meu bisavô era português, como reflete a certidão de nascimento do meu avô, Ceferino Faustino, no apartado de dados referentes a seu pai. Segundo as minhas últimas pesquisas apoiadas no Árquivo da Universidade de Coimbra, o meu “devanceiro” Gaspar Faustino Grangeia nasce no lugar da Camarneira, freguesia de Covões no concelho Cantanhede (no distrito de Coimbra). Na procura das origens do meu apelido patronímico descobri que levamos o apelido de uma mulher, a Rosa Faustino, que teve um filho de solteira, o meu trisavô António Faustino. Além disto, devido à emigração secular da família, venho de descobrir recentemente que a genealogia dos Faustino, além de na Espanha e na Galiza, está estendida e presente por outros países como Portugal e o Brasil. Pendente tenho de localizar algum parente que provavelmente viva no distrito de Coimbra (Portugal) ou São Paulo (Brasil). O resto, os não portugueses, são da Estremadura e de Ciudad Real. Embora as minhas raízes sejam na metade estremenhas, um quarto portuguesas e outro quarto manchegas, eu sinto-me identitária, cultural e  integralmente galego e filho desta cultura milenária. 

 

Toda a base da sua educação formal foi realizada na Marinha?

 

Fiz a educação infantil no “parvulário” de Burela. Foram anos felizes! Após os seis cursos de Ensino Primário noutra das escolas da localidade, cursei o Ensino Secundário Obrigatório nos IES Perdouro e Monte Castelo. Os da adolescência foram para mim anos turbulentos e uma rebeldia auto afirmativa e sem causa levou-me a perder dois cursos. Procurei outra via para obter o título de ESO através do Ensino Secundário para Pessoas Adultas, com bons resultados, e  retornei ao IES Perdouro para realizar o Bacharelato de Humanidades, perante o assombro de alguns docentes que não acreditavam muito em mim. Superada a Prova de Acesso à Universidade,  ingressei na Diplomatura de Educação Social. Quando terminei a diplomatura, a seguir, valorei continuar os estudos cursando o Grau em Mestre de Educação Infantil mas, finalmente, decidi fazer um curso de adaptação ao Grau na mesma especialidade (a da Educação Social).

 

Da etapa de estudante em Compostela é a entrada no voluntariado através de Altair.

 

No ano 2011 conheci o professor Elias Feijó e participei na fundação de um movimento internacional de voluntariado em educação nos tempos livres denominado Altair. Essa aventura levou-me à Ilha de São Vicente (Cabo Verde) e na cidade do Mindelo colaborei com jovens interessados em formar um agrupamento educativo Altair. Assim nasceram Monte Cara-Altair (em Cabo Verde), hoje Estrelas Altair, e Chao de Castro-Altair (em Burela), agrupamento hoje inativo, e, depois em Santiago, Seteportas Altair. Também participei na fundação da Escola de Educação nos Tempos Livres Altair destinada a lecionar cursos de monitorado e direção nos tempos livres.

 

O que faz agora Altair?

 

 Uma vez consolidado o agrupamento de Santiago, estamos imersos na criação dum novo agrupamento na Corunha, o Farobrigantium Altair. O meu grande sonho é a reativação do agrupamento de Burela ou a fundação dum novo para a Marinha -por isso estamos na procura de voluntari@s- e proximamente lançaremos um curso de monitorado para pessoas que queiram fazer parte da associação. É da minha gente da Altair de quem eu tenho aprendido algumas das coisas mais importantes para a vida.  

 

É uma etapa de combinação da formação teórica com o exercício prático no dia a dia e nos acampamentos.

 

Desde o ano 2011, sem contarmos os de Seteportas, organizamos em Chao de Castro-Altair mais de 25 acampamentos com crianças de entre 8 e 18 anos. Tive a imensa sorte de estar em todos e inclusive nalgum de Seteportas-Altair como o de este verão em Portocelo (Xove). Além disso, na escola foram 8 edições do curso de monitoria e mesmo uma do de direções. Participei como docente, responsável de práticas do alunado e cumprindo funções de gestão desde a secretaria da escola. E nisso, desde a distância, continuamos atualmente!

 

Com esta formação académica recebida na USC e complementar em Altair, não terá sido difícil a entrada no mundo laboral.

 

Não foi um percurso bucólico. Para além de trabalhos pontuais e díspares como o de colocar pão de forma nas embalagens ou ajudante de montagem em gravações de vídeos musicais ou jardineiro, tive alguns trabalhos mais relacionados com a minha formação, dentro do âmbito dos serviços à comunidade. Fui professor de reforço e técnicas de estudo, monitor do programa Sempre en Activo da Deputación de Lugo para a alfabetização digital e o envelhecimento ativo de pessoas maiores e monitor de noite e de fim de semana na Asociación de Axuda ao Enfermo Mental "A Mariña”. No ano 2018 fiquei no desemprego.

 

Como consequência do desemprego, pensou na possibilidade de emigrar, neste caso a um lugar em que estão parte das suas raízes.

 

Uma vez que se aposentaram, em 2012 meus pais retornaram a Guadalajara (onde está instalada hoje a maior parte da família) e ofereceram-nos provar sorte ali. Desta forma, reproduzindo a nossa história migratória, decidimos migrar. Em julho desse ano 2018, um mês depois de chegarmos, chamaram-me para trabalhar na ONG Accem como Educador Social; desde esse momento trabalho para essa entidade. Participei em PAHI, um programa de ajuda humanitária a pessoas que chegam à península de forma irregular -em embarcações ou cruzando a fronteira de Ceuta e Melilha-; posteriormente fui técnico de SAT, o serviço de acolhimento temporário que trabalha com emigrantes solicitantes de proteção internacional -aqueles que são fugidos do seu país porque a sua vida corre perigo por motivos políticos, religiosos, étnicos ou de orientação sexual-; trabalhei num Centro de Menores com jovens não acompanhados (MENA’S); e participei na criação de um centro juvenil em Brihuega. Desde o ano 2020 sou o responsável de um programa de inclusão da Junta de Comunidades de Castilla la Mancha que gere a entidade na localidade de Sigüenza. Em coordenação com os serviços sociais do município, trabalho com menores e famílias em situação de exclusão social.    

 

O retorno à Galiza está num horizonte mais ou menos próximo?

 

A meio prazo, o meu objetivo é continuar com a formação e preparar oposições para professor do Ensino Secundário. Isto está dentro  de uma estratégia que eu denomino "o caminho de regresso". Quero retornar à Galiza, que é de onde eu sou e onde quero viver, interpretando em positivo o "aqui nasci e morrerei" que dizia o Sacristão de Basão, tema dos Rastreros que popularizou o Xabarín na minha infância. No ano 2023 apresentar-me-ei às provas e aguardo alcançar a meta: superar o destino migratório assentado historicamente na minha família.
O nosso entrevistado num acampamento de Altair

19/10/21

TELECOMUNICADOR MODELO BURELA



Engenheiro Héctor Canto colabora com os Faladoiros de Vigo
 

Xoel Iglesias 


Héctor Canto no Castro de Tronha, em Ponteareias


Héctor Canto (Canárias; 1985) é Engenheiro em Telecomunicações pela Universidade de Vigo. Como profissional exerceu na última década e meia em diversas companhias do âmbito das start-ups e scale-ups em vários setores incluindo formação em linha, vídeo, alimentação, Smart Cities e cibersegurança; e mais recentemente vídeo na indústria automobilística. 

Especializou-se no lado do Backend da Engenharia de Software, com especial foco na arquitetura de Software na "nuvem". Como divulgador e formador, participou em repetidas ocasiões nos encontros da Associação Python Barcelona e na convenção anual PyConEs da Python Espanha. Há uns meses, incorporou-se como professor de Desenho de Sistemas de Software na associação La Compiladora. Nós conversamos com ele a respeito do seu perfil linguístico, do Modelo Burela e dos Faladoiros de Vigo



Qual é o seu perfil linguístico da infância e a mocidade ? Neofalante ou paleofalante?

Sou paleofalante. Embora tenha nascido na emigração (nas Ilhas Canárias), em casa aprendi galego como primeira língua. Os meus avós eram todos labregos, residentes na comarca da Terra Chã, com formação básica, salvo um que não sabia ler. Os meus pais -ele camareiro e ela enfermeira- também se criaram naquela área, mas meu pai marcharia para Madrid e depois -já casados- foram ambos para Tenerife. Ali passaram 6 anos e nasci eu. Quando cumpri os 3, retornamos: para Cangas de Foz, primeiro; e para Burela, definitivamente. Só um ano depois, nasceu o meu irmão. Suponho que a criação do Hospital de Burela (por volta de 1987) teve uma influência importante ao conseguir a minha mãe emprego nele.

Em que momento abraçou o estudo da Língua portuguesa?

Estudei português padrão a partir dos 16 anos. Não recordo bem se em quarto de ESO ou em primeiro de Bacharelato. Foi um pouco ao tomar consciência política, numa época em que houve várias mudanças legislativas na educação como foram a LOU e a LOE e muita atividade em oposição à guerra do Iraque, onde Espanha participava ativamente. A partir daí, um reflexiona também acerca da situação política mais próxima, polo que aprender português fazia sentido para conhecer melhor a língua própria.

Nesta altura da sua vida, em quantas línguas se desenvolve com fluência?

Desenvolvo-me normalmente em três idiomas: galego-português, espanhol e inglês, e posso entender com limitações catalão, italiano e francês.

O Engenheiro Canto Veiga é um exemplo ideal do cosmopolitismo Modelo Burela. Qual é a sua opinião a respeito desta iniciativa?

Acho muito interessante pôr em valor a aprendizagem da língua própria, e demonstrar que isso não é limitante para aprender outras; é a via para aprender melhor as segundas e terceiras línguas. No caso concreto de Burela, manter o natural -a imersão linguística em galego- abre portas para aprender a norma internacional do galego e mais idiomas românicos como o francês ou o italiano, e exercita a mente para aprender qualquer outra, tipicamente o inglês. Aliás, ajudar os novos burelãos a entrar no galego é a maneira perfeita de os acolher e de compartilharmos a cultura da nossa vila.

Colabora com alguma entidade social que promova o nosso idioma?


Sim, colaboro com a associação Faladoiros, que promove encontros presenciais ou virtuais para possibilitar que qualquer um tenha um espaço onde poder expressar-se em galego.

Os Faladoiros foi uma iniciativa de ativistas e professores da cidade de Vigo e a sua área geográfica. Algumas dessas pessoas são velhas conhecidas e não tardaram em contactar comigo quando a ideia já estava madura. Chegaram à conclusão de que uma das deficiências mais evidentes nas grandes cidades era que quem queria viver em galego -quer como iniciantes, quer como falantes habituais- não tinha um espaço onde o praticar. Nasceu assim esta iniciativa de apoio a galego-falantes de todo tipo.

Esses Faladoiros surgiram antes da pandemia. Como se adaptaram após março de 2020?

No formato inicial eram encontros presenciais. Para controlarmos a pandemia, migraram para o virtual e isso alargou a área de alcance e a tipologia de público interessado. Aos grupos anteriores acrescentamos: galegos e galegas da diáspora -de primeira, segunda e terceira gerações- que conheciam o nosso idioma; estudantes não galegos na etapa universitária (em período de Erasmus, doutorandos e estudantes de línguas romances).

Imaginamos que a contribuição de Héctor Canto esteve relacionada com a disponibilização de ferramentas tecnológicas.

Sim. Eu participei especialmente na parte virtual, ajudando a utilizar a tecnologia: propus a plataforma que usamos, elaborei um guia e ajudei nos primeiros passos dos anfitriões de cada sessão. Além disso, participo numa sessão cada quinze dias (normalmente temos duas sessões semanais e pensamos em aumentar a três ou quatro, dada a afluência). Gostamos de ter grupos pequenos, mais participativos.


O nosso entrevistado num Faladoiro Virtual com gente de Bruxelas, São Paulo, Vigo e Argentina.