Érica Gomes Mendes
Nascida no Valadouro, Alva Pico está licenciada em Tradução e Interpretação pela Universidade de Vigo e em Magistério pela USC. Contudo, nem as suas titulações nem a dilatada experiência profissional foram suficientes para conseguir um trabalho na sua própria terra e é por isso que está emigrada na Catalunha, onde trabalha como professora de língua inglesa. Antes foi auxiliar de conversação na Alemanha e professora de espanhol no Instituto Cervantes de Bremen, naquele mesmo país. Por um período de sete anos trabalhou na Catedral de Santiago de Compostela.
Com ela mantivemos uma conversa a respeito do diálogo entre culturas e agora temos o prazer de editar em aberto para a audiência do PGL as suas palavras.
Alva Pico na ponte de Rialto, na cidade italiana de Veneza. (Foto: Sónia Sobral) |
+ A nossa entrevistada nasceu no Valadouro e passou a viver em Burela. Compare-nos o ambiente linguístico entre estes lugares. Havia grandes diferenças?
- Bom, no Valadouro há um uso do galego total. Em Burela, no entanto, ouve-se algo mais de castelhano, quer porque há mais vizinhas e vizinhos de fora da Galiza e uma parte desta população não assumiu o galego como língua veicular, quer por diglossia (por exemplo, em Burela tenho ouvido mães e pais galegos falar castelhano às crianças ou empregad@s do banco dirigir-se em castelhano às e aos clientes, as quais cousas numa vila mais pequena como é o Valadouro são muito mais difíceis de ver).
+ Como foi o ensino recebido na etapa inicial e na do secundário? Existiu certa permeabilidade ao galego?
- O ensino recebido na escola foi 100% em galego. Era a língua em que nos comunicávamos tod@s, professorado e alunado, quer fora, quer dentro das aulas. O único castelhano que eu lembro ter visto durante esta etapa era nos livros de texto e nas aulas de língua espanhola. Já no ensino secundário (que cursei no I.E.S. de Foz) o panorama mudou algo: o galego continuava a ser a língua maioritária entre professorado e alunado, mas existiam situações diglóssicas -o alunado de famílias galegas dum nível económico superior falavam em castelhano, por exemplo- que não se davam no Valadouro. Mas lembro que vinham ao liceu alguns escritores galegos para promover as suas obras. Também se organizava alguma que outra palestra sobre assuntos linguísticos, como podiam ser as línguas minorizadas, etc. Fica claro que existia uma certa preocupação com a língua.
+ Você estudou duas carreiras (Tradução e Magistério). Em qual delas havia um ambiente mais proclive para a nossa cultura.
- Cá acontece algo curioso: Tradução estudei-a em Vigo e Magistério em Santiago. Se bem o uso do galego está mais estendido em Santiago do que em Vigo, usava-se mais na faculdade de Tradução em Vigo que na de Magistério em Santiago, tanto por parte do professorado como do alunado. Suponho que tem muito a ver com a licenciatura: sempre nas facultades de Filologia e Tradução há per se uma inquietude maior com as línguas. De facto, nas outras faculdades do campus de Vigo não acontecia algo assim e o uso do castelhano era esmagador (Engenharias, Direito económico, etc). Na faculdade de Filologia e Tradução o ambiente era muito proclive e, com certeza, era onde mais movimento ativista em prol do galego havia (associacionismo estudantil, etc). Também posso destacar um dado curioso: na licenciatura de Tradução o uso do galego entre o alunado era tão frequente entre a turma que tinha escolhido o espanhol como língua A (ou primeira língua) como entre aquela que tinha escolhido o galego. Se calhar, era mesmo superior (mas isso devia ter mais a ver com a procedência geográfica, com as notas de corte, etc).
+ Durante vários anos acadêmicos lecionou na Alemanha. Como é o sistema germano de ensino?
- É muito meritocrático, no sentido de que lá as turmas dividem-se por rendimento académico muito cedo. Ao terminar o quinto curso do Ensino Primário, as crianças já são separadas em três níveis: a Hauptschule para aquele estudantado com notas mais baixas; a Realschule para aquele com notas médias e o Gymnasium para aquele com as notas mais altas. O que é muito destacável é que dão muita importância às línguas estrangeiras e tanto na Realschule como no Gymnasium começa-se com o estudo de uma segunda língua estrangeira em sexto. Isto quer dizer que, quando acabar o ensino obrigatório, muito do alunado alemão vai saber, no mínimo, três línguas: alemão, inglês (que costuma ser sempre a primeira língua estrangeira que se estuda) e uma segunda língua estrangeira (é muito habitual que esta seja espanhol ou francês). Aliás, como a Alemanha é um país que tem recebido -e recebe- muita imigração, uma boa parte desse alunado ainda vai dominar mais uma língua: a do âmbito familiar. Isso é plurilinguismo real!
+ Em quantas línguas se desenvolve com fluidez agora mesmo?
-As línguas com as que me desenvolvo com fluência são o galego/português, castelhano, catalão, alemão e inglês. Também tenho conhecimentos de francês, mas esta é a língua com a que menos contacto tenho hoje em dia.
+ Você tem feito diversas colaborações com o Modelo Burela, uma delas no Valadouro. Como é visto desde a distância?
-Acho súper positivo o cosmopolitismo Modelo Burela. Em todas as vilas devia haver uma iniciativa assim. É uma mostra perfeita tanto de interculturalidade e integração quanto de amor e conservação da nossa língua e cultura própria.
+ Agora mesmo mora na Catalunha, onde é professora da Língua Inglesa. Como foi o processo de entrada nessa cultura?
- Na verdade foi ótimo. Estava assim algo insegura, porque eu sou muito perfeccionista com as línguas e tinha medo de dar erros (afinal, eu nunca morara na Catalunha e o catalão aprendera-o fora daqui), mas a reação que encontrei nas escolas foi totalmente positiva. Algum colega mesmo me punha nas aulas como exemplo de pessoa que havia muito pouco tempo que cá estava e mesmo assim se comunicava em catalão. Depois, graças a uma amiga que morara cá vários anos, fiz amizades em seguida. Conhecer pessoas do próprio lugar dá sempre a oportunidade de te integrares melhor e de conheceres mais de perto a língua e a cultura, então o processo de entrada certamente não poderia ser melhor nem mais fácil.
+ Após os momentos tensos do "procés", estão num momento de calma?
- Acho que nisto notou-se muito a chegada da pandemia: ocultou muito tudo o mais. Sei, pelo que me comentam pessoas conhecidas, que antes a sociedade estava mesmo muito polarizada, não se falava doutra cousa que do procés, havia muitas tensões... Ainda ficam muitos símbolos visíveis, como bandeiras, fitas amarelas, cartazes, faixas... Mas por enquanto, na minha experiência, isso ficou em segundo plano.
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