08/11/21

Laura Ramos: “Lembro aquela primeira vez que a professora nos leu em voz alta um poema de Manuel António”

Com só 17 anos, a professora do IES Rosalia de Castro debutou no panorama literário ao ser premiada nos certames Xela Arias e Maria Solinho

Xoel Iglesias Fernández


Laura Ramos

Laura Ramos (Burela; 1993), graduada em Jornalismo e em Comunicação Audiovisual, cursou os seus estudos primários e secundários no CEIP Virxe do Carme e no IES Perdouro, centros situados na localidade de nascimento. Com 18 anos deixou o fogar familiar para estudar na Universidade de Santiago de Compostela e já de estudante trabalhou durante os verões em diferentes meios locais como bolseira (La Voz de A Mariña em 2015, El Progreso de A Mariña em 2016 e Axencia Galega de Notícias em 2017). A sua última experiência deste tipo foi no Sermos Galiza, de novembro de 2017 a setembro de 2018. Nesse momento começou a trabalhar como jornalista para o meio digital cooperativo Adiante.gal. Após finalizar o contrato, começou a coordenar o Portal Galego da Língua, período que combinou com o Mestrado de Formação do Professorado e a preparação para a oposição pública a professora de ensino secundário.  

 

No verão de 2021 passou as provas de função pública e este mês de setembro começou uma singradura profissional como professora de Língua Galega e Literatura no IES Rosalia de Castro, em Santiago de Compostela, onde trabalha com grupos de 1º e 3º de ESO e segue aprendendo todos os dias.

 

 

Você é o exemplo ideal do cosmopolitismo Modelo Burela. Qual é a sua opinião a respeito desta iniciativa?

 

Em primeiro lugar, não estou certa de ser modelo ideal do cosmopolitismo Modelo Burela. Penso, mais bem, que tive a sorte de crescer e ser educada num momento em que o Modelo Burela gozava de uma implantação muito mais efectiva, porque –em geral– os agentes políticos, sociais e educativos estavam a ser mais permeáveis à proposta. Tirei dessa experiência muitos benefícios (pessoais, formativos, laborais, morais) e agora, anos depois, entendo-a como uma iniciativa essencial e integradora na minha evolução profissional e pessoal. 

Um dos aspectos que mais valoro do Modelo Burela é a adquisição de auto-estima (individual e colectiva). Penso que antes valorizava muito menos as minhas origens, a minha identidade linguística e as realidades próximas da minha vila. O Modelo Burela mudou isso: pus palavras a vidas e escolhas que antes prejulgava, imagem a realidades para as que antes não olhava e voz a algo que reside em todes nós e que nos converte em pessoas únicas e, ao mesmo tempo, em comunidade.

 

Comenta-nos um pouco acerca da sua experiência como escritora. Qual foi o primeiro prêmio literário que conseguiu?

 

A minha experiência com a literatura vai muito atrás no tempo. Quando era menina já gostava imenso da leitura, e acho que esse gosto evoluiu de jeito natural até querer imitar as histórias ou textos que lia. Em consequência, perto da adolescência comecei a escrever poesia, como um jeito de organizar e expressar pensamentos e sensações. No liceu, o professor Bernardo Penabade foi muito sensível a este gosto pessoal e animou-me a me apresentar a algum certame. Não pensei na verdade que fosse ganhar nada, assim que foi muito feliz saber-me ganhadora do Certame literário Xela Arias (convocado pelo IES A Sangriña, da Guarda) e, no mesmo mês, o Certame literário Maria Solinho (convocado pelo instituto de Cangas). Guardo com muito afeto a lembrança desses dias e dessa etapa, no último curso do ensino médio. 

 

Do jornalismo passou à docência. Como está sendo esta nova experiência profissional?

 

Para mim é muito especial voltar às aulas, ainda com outro rol. Sinto-o como uma responsabilidade muito grande porque, ainda que passem anos, seguem vivas em mim as palavras e situações que vivi como aluna. Lembro viver momentos injustos, ser testemunha da apatia do pessoal docente e, também, experimentar aprendizagens fundas e genuínas. Pode semelhar uma parvoíce, mas há mais duma década que deixei o Perdouro e lembro com claridade onde estava sentada e como ecoou em mim aquela primeira vez em que a Cristina Loureiro nos leu em voz alta um poema de Manuel António, a primeira vez que o Bernardo Penabade nos falou de Safo em Literatura Universal, as lições das aulas de Geografia e História com Maribel Crecente, a vertigem nas aulas de astrologia com Gerardo... E assim poderia continuar ad infinitum.


Nota-se o entusiasmo.


É assim. Entro no trabalho docente com muita ilusão, e com muitíssima atenção à contribuição que posso fazer para a aprendizagem do alunado. Em linhas gerais, posso dizer que o meu centro é principalmente urbano, com muito alunado (mais de 1.100 estudantes) e um claustro docente numeroso (mais de 110 profissionais). Leciono por volta de 110 pessoas, divididas em 5 grupos. O trato com o alunado é óptimo: são pessoas muito focadas em tirar muito bons resultados académicos e colaboram e participam muito. Porém, isto também é originado pelas pressões familiares, o qual repercute em ocasiões em problemas de saúde mental entre alunos e alunas. 


Como se dá com o professorado?


No relativo ao professorado, acho que é ainda uma equipa em transformação, após várias décadas com um claustro fixo e muito colaborador. Há muitas pessoas que acabam de se aposentar e ainda muitas vagas por encher com professorado definitivo. Isto, unido ao amplo número de pessoas em itinerância nas instalações, dificultam a consolidação de dinâmicas de trabalho e formação de laços.


Já entrou em comunicação com as famílias?


Entrei. A minha experiência é ainda limitada, mas detecto -felizmente- que boa parte do alunado provém de famílias muito implicadas na formação das suas crianças. São colaborativas e respeitosas. O único aspeto negativo que poderia mencionar é a paisagem linguística dominante: por volta de 90% do meu alunado (e, por extensão, as suas famílias também) fala espanhol, com umas competências em língua galega muito deficientes, o que converte o presente ano académico em todo um reto!

 

Laura Ramos na presentação de Rascamasseiras em Malpica

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