10/12/21

AINARA DÍAZ GEADA, Professora da Faculdade de Enfermagem na USC

Sinto-me privilegiada por partilhar conhecimentos e experiências com o estudantado da USC

 

Ainara Díaz Geada (Nois - Foz, 1992) está titulada em Enfermagem pela Universidade de Santiago de Compostela (2014). Desde aquela altura trabalhou como enfermeira no Hospital da Marinha e logo na Área sanitária Santiago-Barbança. Após um mestrado em Epidemiologia e saúde pública na USC (2016), realizou a tese de doutoramento que leva por título “Desigualdades em saúde no estudantado de Ensino Secundário Obrigatório duma povoaçom multicultural (Burela, Lugo)”

Com esta integrante da Brassica Rapa -a famosa "charanga feminista" que anima as festas em terras galegas e portuguesas- falamos de diversos temas para partilhar com a audiência do Portal Galego da Língua.

Ainara Geada tem identidade galega desde os primeiros meses de vida.

Sempre fui galego-falante. Tive a sorte de me criar numa família que me transmitiu o nosso idioma desde o berço e conseguim mantê-lo também no âmbito escolar e com as minhas amizades. Sempre foi a língua com que me relacionei. Com o passar dos anos, continuei a usá-la normalmente, tanto na etapa de formação e ativismo universitário, quanto posteriormente desenvolvendo as atividades profissionais.

Aluna da matéria específica de Língua Portuguesa desde os 16 anos...

Foi em Bacharelato, ao começar os meus estudos no IES Perdouro. Ao ir escolher as matérias para o 1º curso, lembro a grata surpresa: comprovei de primeira mão que existia tal oportunidade. Não duvidei da escolha. Foi uma grande oportunidade o poder avançar no conhecimento não só da língua mas também de muitas outras aprendizagens vitais da mão do meu professorado.

Agora mesmo domina um mínimo de três línguas.

A minha língua nativa -e a que uso a diário- é o galego-português. Tenho também nível de nativa em espanhol e um nível intermeio em inglês. Durante um par de anos formei-me em Língua de Signos Espanhola e gostaria muito de retomar esse estudo. Também tive a oportunidade de morar uns meses na Catalunya e de estudar catalão. Por diante ficam pendentes imensas aprendizagens.

Conte-nos mais a respeito da sua experiência profissional.

Desde que terminei a formação como enfermeira na USC, por volta de 2014, comecei a estudar para a especialidade de Enfermagem (EIR). Em paralelo, trabalhava no Hospital Público da Marinha (Burela). Os conhecimentos que fui adquirindo e a reflexão sobre a realidade que me rodeava fizeram que mudasse de caminho e decidi formar-me no mestrado de Epidemiologia e Saúde Pública da USC.

Ao completar os estudos, iniciei a fase do Doutoramento da mão do professor Francisco Caamaño. Nesta investigação procurava refletir sobre a influência das desigualdades sociais na saúde das populações. Olhando o nosso próprio contexto, e inspirada pelo trabalho da referente Luzia Oca, comecei a estudar a influência destas desigualdades nas condutas em saúde da população adolescente de Burela. A diversidade populacional, enquadrada no contexto galego da atualidade, conforma uma realidade paradigmática que nos imprimiu a necessidade de questionar metodologias e nos mergulhou em novos horizontes.

Nesta altura, mudei-me para Compostela e com vontade de compaginar melhor ambas as atividades (a enfermagem clínica e a atividade investigadora). Não foi uma etapa doada, sobretudo dadas as condições laborais das enfermeiras eventuais no país, mas o apoio da minha gente e os aços de finalizar um projeto que me parecia muito necessário, permitiram-me continuar no caminho.

Em 2019 incorporei-me à docência universitária na USC. Decidi provar sorte com uma nova experiência. Dali a uns meses estalou a pandemia e imparti aulas por vez primeira em pleno confinamento. No verão de 2020 pude, ao fim, defender a tese e na atualidade continuo a ministrar  aulas de diferente matérias na Faculdade de Enfermagem de Compostela.

Quais são as conclusões do seu trabalho?

Uma das principais conclusões que obtivemos nesta investigação foi que o consumo de álcool, tabaco e cânabis aumentava com a maior disponibilidade económica. O estudantado migrante não é um grupo de risco para o consumo destas substâncias. No entanto, a difusão dos resultados deste estudo constituem uma oportunidade para eliminar preconceitos.

Uma segunda conclusão foi que existe associação entre o estado anímico negativo, o consumo de cânabis e o facto de ter sofrido bullying na população estudada. A baixa perceção de risco do cânabis virou num fator duplo de perigo ao se associar com o maior consumo e o pior estado anímico.

-Como foram os resultados da comparativa com a situação do estudantado da Catalunya Central?

O nível académico foi mais desigual entre estudantes da Catalunya. A probabilidade de que declarassem ter fumado tabaco duplicou-se entre adolescentes catalães a respeito dos adolescentes da Galiza. A população adolescente catalã referiu estado de ânimo negativo em maior medida do que a população adolescente galega, mália ter mostrado menor risco de referir ter sofrido bullying.

Estes resultados evidenciam a necessidade de afundar em pesquisas que permitam clarificar a relação causal entre o consumo de substâncias psicoativas, o estado anímico e o bullying, tendo em conta as desigualdades sociais. Adverte-se a necessidade de incrementar os estudos em populações de menor tamanho, que foram pouco investigadas. Além disso, dever-se-iam tecer intervenções que abordassem estas problemáticas, dotando as pessoas de autonomia para poderem participar responsavelmente da sua saúde.

Cuido que estas conclusões são verdadeiramente relevantes para o nosso contexto à hora de nos ajudar a compreendermo-nos melhor e para superarmos barreiras tristemente habituais.

Apesar de que a maioria do estudantado que participou deste estudo já não está nos institutos de Burela, teria sido muito útil a reflexão em comum sobre os resultados desta investigação.

Como está sendo a sua etapa de docente na USC?

Está sendo uma etapa muito enriquecedora e surpreendente. Para mim era necessário experimentar este novo rol profissional e vital. Procuro que este labor de suma responsabilidade seja minimamente útil para quem me tem à frente e procura adquirir novas aprendizagens. Guardo na lembrança a minha própria experiência e decato-me da importância de implicar-se ativamente. Na Universidade dou aulas a mais de 200 estudantes diferentes por curso e isto não facilita o nosso labor. Mas como enfermeira sinto-me privilegiada de partilhar com o estudantado conhecimentos e experiências e procuro incidir na importância de pôr o cuidado no centro. Também o pensamento crítico, o questionamento do “estabelecido” e a necessidade do empoderamento hoje e no futuro.


30/11/21

MARIA JOSÉ SOLA BRAVO: “TENHO PRÁTICA DOCENTE DESDE OS 15 ANOS”

 Professora da EOI de Ponte Vedra aprendeu galego no pátio da escola

  Noemy Cardoso dos Reis Borges


Maria José Sola Bravo (Santiago de Compostela; 1973) estudou Tradução e Interpretação e começou a trabalhar para a conselharia de Educação como professora de Português na EOI de Ourense em outubro de 1999. Vocacionada para o estudo dos idiomas e para a prática docente, desde os 15 anos andava a ensinar línguas (entre elas inglês) em diferentes academias e empresas.

Através desta entrevista, conhecemos o seu perfil linguístico e as suas vivências como professora de Língua Portuguesa nas Escolas Oficiais de Idiomas.

Qual é o seu perfil linguístico da infância à mocidade? Neo falante ou paleo falante?


Stricto sensu, neo falante, pois a minha mãe foi criada no Uruguai e não falava galego e o seu pai foi um digno filho da Ditadura e só usava galego para situações de maior emoção, tais como mostrar o seu amor, uma disputa acesa, etc.
Porém, eu cresci numa freguesia mais rural onde muitas pessoas falavam galego e no pátio da minha escola essa língua estava em pé de igualdade, ainda, com o castelhano. Portanto, tive a sorte de ouvir galego desde criança de tal maneira que, quando resolvi que o galego ia ser a minha primeira língua, esta língua já estava integrada e interiorizada no meu pensamento. De facto, não tive grandes problemas nem de fonética, nem de sintaxe, nem de léxico.


Em que momento abraçou o estudo da Língua Portuguesa? Durante a etapa dos estudos de Tradução e Interpretação?


Foi durante os estudos de Tradução e Interpretação, foi.

Nesta altura da sua vida, em quantas línguas se desenvolve com fluência?

Com fluência, 3. Poucas, na verdade.

Quando começou a sua experiência profissional?

A minha experiência como professora de português começou aos meus 26 anos em Ourense. Mas antes eu já tinha trabalhado a dar explicações, como professora de inglês em empresas e academias, como tradutora, e noutros trabalhos alheios à minha formação, tais como ajudante de cozinheira.

Como foi a evolução da matrícula (primeiro em Ourense e agora em Ponte Vedra)? 

Em geral, eu julgo que a matrícula na minha escola de Pontevedra se mantém nuns números estáveis desde há bastantes anos, com algum aumento ou decréscimo pontual mais marcado, devido a fatores externos como crises económicas, por exemplo.

Quantas pessoas trabalhavam no Departamento de Português em Ourense e quantos estão agora em Ponte Vedra ?

Em Ourense éramos duas pessoas e cá em Pontevedra também somos duas.


Qual é o perfil das pessoas matriculadas?

Bastante heterogéneo, na verdade. Com ampla maioria de mulheres, isso quero destacar. De resto, desde raparigas que acabaram de sair do liceu até velhos de 80 anos, com diferentes profissões, objetivos, ideologias, etc.

Além do trabalho na EOI colabora com alguma entidade social que promove o nosso idioma?

Sou sócia da AGAL. Quanto a colaborar, faço muito menos do que gostava, pois o trabalho como professora é cada vez mais, além do trabalho de ser mãe e as outras atividades diárias que a maioria de nós tem de enfrentar para ver as suas necessidades básicas de alimentação, higiene, etc. respondidas. Mas tento sempre, de uma maneira ou outra, contribuir para que o galego seja a língua primeira e maioritária da Galiza.

Visita académica para conhecer o processo de elaboração das natas do Café Natas D'Ouro, em Pontevedra. O chefe de confeitaria e sócio do café é português. As pessoas que acompanham a professora Maria José Sola são de várias turmas de português da Escola de Idiomas de Ponte Vedra.


25/11/21

RAMON REIMUNDE : “Agora mesmo estou centrado em temas sociais, marítimos e florestais… e em memórias impublicáveis”

Noemy Cardoso dos Reis Borges


Ramom Reimunde Noreña (São Martinho de Mondonhedo - Foz, 1949) é colaborador habitual da imprensa galega e também da editada na Galiza. Os seus temas habituais estão relacionados com o meio ambiente, as pescas e o ordenamento florestal, mas sem esquecer a sua paixão pela língua e a literatura. Começou publicando livros destinados à docência -entre eles o Trevom, de Armando Cotarelo; a Poesia Completa de Leiras Pulpeiro e  o Cautivério de Fingoi, sobre Carvalho Calero-, reuniu um conjunto de artigos de jornal sob o provocador título de Com textículos e abriu o caminho da auto ficção com A Costeira (2005), sobre a pesca do bonito em Burela e Foz, um caminho que consolidou com o romance O Tesouro do Monte (2014). Entre risos, diz que atualmente escreve umas memórias não publicáveis em vida.

A que sim é publicável é a conversa que mantivemos com este membro da Associaçom Galega da Língua e da Academia Galega da Língua Portuguesa.

 

Começamos por falar do seu perfil linguístico...

O meu perfil linguístico da infância é de bilingüe entre o espanhol da mãe e o galego dos vizinhos. Acho que sou paleo falante de aldeia.

 

Com certeza, esta definição tão rápida pode ser comentada mais em pormenor. Após a infância, chegou a mocidade...

 

Com efeito! Na escola rural de Ensino Primário em Ferreira Velha -São Martinho de Mondonhedo -no concelho de Foz- falávamos galego entre os meninos, mas a mestra falava espanhol e as crianças tínhamos que tentar falá-lo. A mim não me custava muito porque a nossa mãe era madrilena e na casa falavam-nos castelhano, mesmo as tias maiores. Havia rapazes que falavam um espanhol irreconhecível ( "Señorita Loliña me batió con un carabullo!" "Se dice palo, Lolita").  Portanto, até os dez anos era bilíngue. Passada essa idade, fui interno a um colégio de Gijón, onde se falava espanhol com sotaque asturiano. Durante sete anos de Bacharelato -dois de engenharia em Oviedo e outros dois de engenharia em Madrid- falei fundamentalmente espanhol. Só nas férias na Galiza voltava a falar galego com os vizinhos. Finalmente retornei à Corunha para estudar Náutica, e ali sim que escutava falar galego, mesmo comecei a ler literatura galega e algo se transformou em mim, de forma que quando fui navegar -e sobretudo quando cheguei a Santiago para estudar Filologia nos invernos-, comecei a falar galego. Mesmo assim, no andar dos estudantes em que morávamos os irmãos seguia a falar castelhano. Retornamos, pois, ao bilingüismo. Uns anos mais tarde, sendo já professor de Galego nos Liceus, comecei a usar pessoal e socialmente o galego, mesmo a pensar em galego, e assim continuei toda a vida até hoje. Praticamente não falo quase nunca noutras línguas, nem escrevo, o qual desde há mais de trinta anos me voltou a transformar em monolíngue.

Em resumo…

 Em resumo: do bilingüismo inicial infantil -como paleo falante rural- passei por uma etapa de monolingüismo em castelhano na mocidade e finalmente na idade madura cheguei ao monolingüismo em galego, no que penso morrer quando toque. De velhos, gaiteiros! 

 

Com que idade teve consciência de que conhecia a língua portuguesa desde a infância?

 

Abracei o estudo da língua portuguesa em 1977 na Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela. Foi em quarto de carreira, porém antes já simpatizava e lia e escutava a rádio em português. Ao vê-lo escrito, comprovei que era a mesma língua que a nossa, como uma revelação espontânea de algo tão evidente. Foi a partir de 1982 quando empreguei uma ortografia reintegrada na escrita e nas aulas, sendo sobre o ano 2000 quando decidi escrever em português o galego da Galiza, embora -por “imperativo legal”- em certos artigos e exames teve que seguir empregando a normativa oficial  ILG-RAG para que me publicassem os artigos e livros.

 

 

Dizia antes que é monolíngue social, mas não é por carecer de formação linguística ou por não conhecer outros idiomas.

Nesta altura da vida não escrevo em espanhol, embora o conheça, claro! (risos), porque li muito e sou licenciado em Filologia Hispánica. Escrevo sempre em português da Galiza -salvo em casos pontuais- e posso ler sem dificuldade em francês, inglês e italiano, o que é pouco frequente, só por razões profissionais.

 

Já que falamos da profissão, quando começou a sua experiência?

 

Como professor de Língua e Literatura -a nossa- comecei a vida profissional em 1979. Há uma etapa de marinho, oficial da mercante, entre 1973 e 1979, em que escrevi muito pouco, talvez cartas e artigos. Nesse tempo pratiquei línguas estrangeiras por necessidade. Também escrevia poemas e textos em galego que não se publicaram. Ao mesmo tempo que navegava para ganhar a vida e ver mundo, estudava em Compostela nos invernos e lá também algo escrevia.

 

Finalizados os estudos universitários passou a escrever muito mais...

 Depois de 1980, em Lugo, comecei a escrever e publicar artigos no jornal e livros de comentários sobre língua e literatura. Andando o tempo, após o ano 2000, escrevi também sobre temas marítimos e florestais, por exemplo as Atas de Promagal e das associações e centenas de artigos. Até o ponto de que como escritor só me conhecem na Marinha, e não muito. Disso tenho a culpa eu mesmo por descuido e falta de qualidades,  e talvez o código ortográfico em que escrevo, que me limita, porque os temas sociais, marítimos e florestais são interessantes para a gente de aqui, não sei se para os brasileiros e portugueses que me entenderão.

Esses temas interessam em toda a parte...

 Desde que estou aposentado do ensino não escrevo sobre língua ou literatura. Esse era o tema principal naqueles anos de ensinante quando publiquei nos jornais artigos destinados ao público que não assistia às minhas aulas. Pretendia divulgar autores e obras e era crítico com a situação do galego. Fazia proselitismo e pátria. Felizmente, na Marinha não temos dúvida com isso de momento. Há o sintoma positivo de que a juventude emprega o galego nesta Costa Norte

15/11/21

JOSEPH GHANIME: “Sou do clube dos neo falantes”

Professor da EOI de Ferrol começou a falar galego com alguns amigos e agora converteu-o na língua básica da comunicação familiar

 
Érica Gomes Mendes

Nascido em Santiago de Compostela (1973), Joseph Ghanime cresceu na cidade da Corunha. É formado em Tradução e Interpretação (das línguas inglesa e portuguesa) pela Universidade de Vigo; e em Filologia Germânica (Inglês) e Filologia Hispánica, pela Universidade de Santiago de Compostela. Completou um mestrado em Estudos Medievais com um trabalho final sobre as Tençons medievais galego-portuguesas.

Tradutor independente por aproximadamente dois anos, é professor das Escolas Oficiais de Idiomas desde 2006 e tem trabalhado nas de Pontevedra, Lugo, Santiago de Compostela e Badajoz. Atualmente está na de Ferrol.

  


Professor Ghanime, queremos conhecer o seu perfil linguístico. É neo ou paleo falante?

A minha língua materna é o castelhano, mas desde bem cedo tive curiosidade e algum contacto com o galego na terra de origem do meu avô, no Concelho de Gontim de Palhares (Lugo). Foi com ele que comecei a falar algo de galego e a aprender de cor alguns poemas do Curros Enríquez.

Ora bem, sou do clube dos neo falantes. Na Corunha, a minha língua veicular foi o castelhano durante a infância e boa parte da mocidade. A uma dada altura comecei a falar galego com alguns amigos, e progressiva, mas lentamente, o galego foi-se tornando a minha língua de uso habitual. Galego é  também a língua que falamos habitualmente em casa e a primeira adquirida por nossas filhas. Então, será que elas pertencem ao clube neo ou do clube paleo? Bom, afortunadamente a realidade sempre é mais complexa do que as nossas etiquetas.


 Em que momento começou com o estudo da Língua Portuguesa? Durante a etapa dos estudos de Filologia em Compostela ou de Tradução em Vigo?


Desde a infância lembro-me de ter tido curiosidade e interesse em Portugal, a minha avó materna era de Tui. De maneira autónoma, nalgum momento do ensino secundário, comecei a comprar literatura em português, nomeadamente na Livraria Couceiro, na Corunha. Lembro-me concretamente das edições da Europa-América dos Sonetos de Antero de Quental e dos poemas do Álvaro de Campos. Numa da primeiras viagens que fiz a Portugal, comprei em Coimbra o álbum Contentores dos Xutos e Pontapés, e partir daí o interesse na música portuguesa nunca mais parou. Aos Xutos seguiram-se os GNR, os Madredeus, e por aí fora.

Quanto ao estudo formal da língua, no curso de Filologia Hispânica, em Compostela, frequentei as cadeiras de Língua Portuguesa I e II. Mais tarde, na dissertação final do Programa de Estudos Medievais da USC debrucei-me sobre as tenzons medieviais galego-portuguesas, num trabalho orientado pela professora Mercedes Brea, a quem fiquei muito grato pela inestimável ajuda.

Ora bem, foi ao inscrever-me no segundo ciclo do curso de Tradução e Interpretação, na Universidade de Vigo, que comecei a aprofundar com maior paixão na língua. Sendo formado em inglês e português, foi por esta língua que decidi enveredar do ponto de vista profissional. Gosto muito dos dois idiomas, mas a maré do português puxava por mim com uma força especial. Como trabalho final da licenciatura, traduzi a primeira parte de A estrada de Wigan Pier de George-Orwell para o galego-português, na proposta ortográfica da Agal. Fique aqui a minha gratidão para os professores Carlos Garrido e Óscar Díaz Fouces, fundamentais na minha formação nesta etapa.


 Nesta altura da sua vida, em quantas línguas se desenvolve com fluência?


Galego/português, castelhano e inglês são as línguas em que tenho tido mais horas de voo. Há muitos anos que estudo francês e alemão, cativam-me as duas e leio habitualmente nelas, mas da minha fluência teriam que julgar outros, pois não encontro muitas ocasiões para falá-las. Aprendi romeno por três anos na EOI de Madrid – apesar das minhas muitas limitações nessa língua, tenho um fraquinho por ela e tenciono retomar o seu estudo. Por acaso, havendo bastantes romenos na Galiza, não se compreende que seja tão difícil receber formação no idioma. Por fim, agora comecei a aprender italiano, com grande entusiasmo do meu lado nestes primeiros passos.

Vejo-me antes como estudante do que como professor de língua. Estudo línguas desde a mocidade, na atualidade sou aluno da EOI da Corunha, e provavelmente continuarei a estudar idiomas quando for reformado. Por isso, aprender línguas tem a ver com aquilo que sou, e ensinar com aquilo que faço. É mais: entendo o próprio ensino da língua como indissociável da sua aprendizagem. Antes de levar um texto ou um áudio para as aulas reparo nos pormenores e tiro as minhas próprias anotações. Por simples que uma amostra de língua pareça, sempre há algum detalhe, alguma maneira de exprimir alguma coisa, em que não tínhamos reparado. Esta instrução contínua e o contacto com os alunos é o que mais prezo do meu trabalho.

Todavia, preciso de fazer um grande esforço para aprender idiomas. O que me guia é a determinação e a paciência ― o meu feitio é água mole a bater em pedra dura, feijoada de lento cozimento e não fast-food. O percurso cativa-me mais do que a estação de chegada, as imperfeições com que falo e escrevo não me desencorajam, essas falhas são como a pimenta que dá sabor à aprendizagem.

Gostaria de ser capaz de transmitir esta ideia: aprender uma língua é sobretudo conviver com ela e com os seus falantes ― a começar, numa sala de aula, pelos próprios colegas de turma que também partem nessa viagem. Acredito que neste caminho uma pessoa deve comparar-se apenas consigo própria e perguntar-se se o navio continua a avançar a caminho da Terranova, em vez de frustrar-se por não ter um desempenho perfeito.


Quando começou a sua experiência profissional?


Comecei a trabalhar como professor de EOI em 2006. Anteriormente tinha realizado diversos trabalhos: assistente de cozinha na Islândia, tradutor de inglês e português, professor de inglês em centros privados, localizador de software numa empresa da área da tecnologia, professor de espanhol na Irlanda e carteiro por um breve período.



Qual diferença tem observado nas EOI em que trabalhou?


De todas elas tenho ótimas recordações. A primeira EOI em que trabalhei foi a de Ponte Vedra, por cinco meses. Ensinar uma língua não é o mesmo que estudá-la ou traduzi-la. Por isso, o esforço de adaptação e aprendizagem foi o que marcou este período. Os alunos foram muito compreensivos com a minha inexperiência naquela altura, ao que poderá ter ajudado o entusiasmo com que me dei à tarefa.

Lecionei por quatro anos na EOI de Lugo, de que lembro com muito carinho. Para além de continuar a aprender muito, precisei de criar bastantes materiais, uma vez que os livros disponíveis não iam ao encontro de todas as necessidades didáticas, o que de facto continua a acontecer.

Além disso, o departamento desenvolveu uma atividade cultural intensa, que acabou por dar os seus frutos e ter alguma visibilidade na cidade. A resposta dos estudantes foi espetacular, bem como o compromisso de todos/a os/as colegas docentes. Sem muitas responsabilidades familiares, foi uma época em que me dediquei de forma quase exclusiva à escola e à vida associativa relacionada com o português. Foi também a primeira vez que dinamizei um clube de leitura, o Tuga-Lugo-Lendo.


Outro dos lugares de "peregrinação" foi Santiago de Compostela...


Na EOI de Santiago de Compostela lecionei por quatro anos. O número de inscritos em português costuma ser alto nesta escola. Com turmas mais numerosas, centrei-me sobretudo na parte didática e na direção do departamento, que assumi por um par de anos. A atividade cultural do departamento (viagens, concertos, clube de leitura, idas ao teatro) também era intensa. Em Compostela a própria cidade também tem uma oferta rica nesse sentido. Por isso, a meu ver, o foco da maioria dos alunos era mesmo a parte académica. O ritmo de vida também me pareceu mais acelerado do que em Lugo ou Ferrol, onde dou aulas agora.

Na EOI de Compostela tive ainda a sorte de viver de perto a gênese do projeto Arritmar, o concurso de música e poesia em galego e português. O projeto nasceu graças à iniciativa do professor Gonzalo Constenla e à determinação da equipa que desde logo abraçou a ideia. O Arritmar goza de ótima saúde, tanto em termos de participação quanto de difusão. Na medida das minhas possibilidades, continuo a colaborar todos os anos no projeto, o qual aliás me mantém em contacto com a escola.

Tenho também muitas saudades do Clube de Leitura em português da EOI Compostela. O clube continua vivo, sendo agora independente, e com o nome de Salta-Pocinhas,graças à determinação dos/das "clubistas".


Compostela não foi o final do caminho...


Logo a seguir de Compostela passei três anos na EOI de Badajoz, para a qual tive que pedir uma transferência temporária por razões de conciliação familiar. Esta mudança também foi uma experiência inesquecível.

Em Badajoz lecionei os níveis básicos, o que me permitiu observar as diferenças e semelhanças entre galegos e estremenhos nas primeiras fases de aprendizagem. Como é sabido, os falantes de galego partem com vantagens linguísticas na hora de aprender português. Por exemplo, não é preciso parar-se muito nos artigos, possessivos, contrações e outros pormenores que causam dificuldade aos hispanofalantes no início.

Porém, devo dizer que na Estremadura (espanhola) observei uma grande motivação para aprender português. Os alunos completavam os estudos com uma muito boa competência linguística, pois sobretudo nos níveis altos eram conscientes de que precisavam de se esforçar muito. Há que esclarecer que a organização dos estudos lá é diferente da nossa, porque o percurso normal do A2 ao C1 é feito em oito anos, enquanto na Galiza se realiza em quatro. Fique aqui também a minha saudação para os colegas docentes estremenhos e a Associação de Professores de Português da Extremadura.

Da EOI de Badajoz também me seduziu a magia do local. Apesar de não ser muito funcional, a sede da escola é um edifício histórico com grande capacidade evocadora. De algumas salas de aula, se nos subíssemos às cadeiras, dava para ver a cidade de Elvas no Alto Alentejo. Também são para nunca mais esquecer, a Alcáçova e o Guadiana, ali ao pé da escola; o burburinho da guitarras da associação local de flamenco; a repartição em que Castelão trabalhara, também lá pertinho, na Plaza de la Soledad; e inclusive algum fantasma que supostamente passava as noites numa das salas de aula do estabelecimento de ensino.

Neste período também tive a sorte de conhecer muito de perto Elvas e o Alentejo. As minhas filhas frequentaram o infantário e a escola primária lá. Essa experiência de vida quotidiana em Portugal foi muito enriquecedora para a família toda.


Agora está destinado em Ferrol


Atualmente estou a trabalhar na EOI de Ferrol, na qual passei todo o período da pandemia. Desta escola quero destacar, mais uma vez, tudo o que tenho aprendido dos alunos, aos quais estou muito grato. A frequência de aulas é muito regular, sobretudo nos níveis mais altos, e todas as atividades culturais que se propõem - e que pararam, obviamente, com a pandemia - têm bom acolhimento de público. Também quero destacar o bom funcionamento e vitalidade da biblioteca. E até a beleza da cidade, que não raro me traz o som da sirene de algum navio às 9h00 da manhã, quando abro a janela para arejar bem a sala de aula.

Depois de ter falado das EOIs em que trabalhei, queria referir aquelas de que fui estudante: a EOI da Corunha (na qual continuo a estudar) e a EOI Jesus Maestro de Madrid.


Qual é o perfil das pessoas matriculadas?

Afortunadamente cada vez mais variado. De forma geral, falaria em motivações de dois tipos: por um lado, as razões "pragmáticas", no sentido de terem a ver com os estudos ou carreira profissional; e por outro lado, as norteadas pela simples vontade de aprender ou o enriquecimento pessoal.

No primeiro grupo encontramos estudantes que precisam de certidões de um dado nível ou querem fazer um Erasmus. Ou então, trabalhadores que usam o português nos seus empregos ou precisam de completar horas de formação.

Na segunda categoria, há pessoas que chegam ao português através do interesse na cultura galega, e outros que simplesmente gostam de aprender línguas e querem debruçar-se sobre mais uma. Há ainda o perfil das pessoas reformadas com vontade de continuar a aprender.

Nalguns casos também influi a vontade de socialização. O interessante é que as pessoas que vêm por razões, por assim dizer, pragmáticas, acabam por gostar da língua, e quem vem por interesses culturais acaba por ver também a parte prática. E quase todos acabam por trazer, ou por fazer, algum amigo; ou até começar algum namoro — mas isto último é que não podemos garantir a quem bate à nossa porta.


Além do trabalho na EOI colabora com alguma entidade social que promove o nosso idioma?


Sou sócio de diversas entidades relacionadas com a língua, mas atualmente o meu contributo é escasso. As associações em que há algum tempo tive um papel mais ativo foram a DPG (Docentes de Português na Galiza), a Agal, e quando estava em Lugo, a Cultura do País. Também andei envolvido na criação de diversos clubes de leitura.

Continuo a ter em grande apreço todas as entidades referidas, orgulhando-me do trabalho que elas realizam. No entanto, o meu contributo nos últimos anos tem sido apenas pontual. Esta maior distância da vida associativa deve-se a circunstâncias pessoais e laborais, bem como à necessidade sentida de dedicar tempo a aprofundar noutras línguas. Também, confesso, à minha incapacidade para gerir o excesso de comunicação por vias digitais. Chegou uma altura em que precisava mesmo de reduzir o tempo passado à frente dos ecrãs.

08/11/21

Laura Ramos: “Lembro aquela primeira vez que a professora nos leu em voz alta um poema de Manuel António”

Com só 17 anos, a professora do IES Rosalia de Castro debutou no panorama literário ao ser premiada nos certames Xela Arias e Maria Solinho

Xoel Iglesias Fernández


Laura Ramos

Laura Ramos (Burela; 1993), graduada em Jornalismo e em Comunicação Audiovisual, cursou os seus estudos primários e secundários no CEIP Virxe do Carme e no IES Perdouro, centros situados na localidade de nascimento. Com 18 anos deixou o fogar familiar para estudar na Universidade de Santiago de Compostela e já de estudante trabalhou durante os verões em diferentes meios locais como bolseira (La Voz de A Mariña em 2015, El Progreso de A Mariña em 2016 e Axencia Galega de Notícias em 2017). A sua última experiência deste tipo foi no Sermos Galiza, de novembro de 2017 a setembro de 2018. Nesse momento começou a trabalhar como jornalista para o meio digital cooperativo Adiante.gal. Após finalizar o contrato, começou a coordenar o Portal Galego da Língua, período que combinou com o Mestrado de Formação do Professorado e a preparação para a oposição pública a professora de ensino secundário.  

 

No verão de 2021 passou as provas de função pública e este mês de setembro começou uma singradura profissional como professora de Língua Galega e Literatura no IES Rosalia de Castro, em Santiago de Compostela, onde trabalha com grupos de 1º e 3º de ESO e segue aprendendo todos os dias.

 

 

Você é o exemplo ideal do cosmopolitismo Modelo Burela. Qual é a sua opinião a respeito desta iniciativa?

 

Em primeiro lugar, não estou certa de ser modelo ideal do cosmopolitismo Modelo Burela. Penso, mais bem, que tive a sorte de crescer e ser educada num momento em que o Modelo Burela gozava de uma implantação muito mais efectiva, porque –em geral– os agentes políticos, sociais e educativos estavam a ser mais permeáveis à proposta. Tirei dessa experiência muitos benefícios (pessoais, formativos, laborais, morais) e agora, anos depois, entendo-a como uma iniciativa essencial e integradora na minha evolução profissional e pessoal. 

Um dos aspectos que mais valoro do Modelo Burela é a adquisição de auto-estima (individual e colectiva). Penso que antes valorizava muito menos as minhas origens, a minha identidade linguística e as realidades próximas da minha vila. O Modelo Burela mudou isso: pus palavras a vidas e escolhas que antes prejulgava, imagem a realidades para as que antes não olhava e voz a algo que reside em todes nós e que nos converte em pessoas únicas e, ao mesmo tempo, em comunidade.

 

Comenta-nos um pouco acerca da sua experiência como escritora. Qual foi o primeiro prêmio literário que conseguiu?

 

A minha experiência com a literatura vai muito atrás no tempo. Quando era menina já gostava imenso da leitura, e acho que esse gosto evoluiu de jeito natural até querer imitar as histórias ou textos que lia. Em consequência, perto da adolescência comecei a escrever poesia, como um jeito de organizar e expressar pensamentos e sensações. No liceu, o professor Bernardo Penabade foi muito sensível a este gosto pessoal e animou-me a me apresentar a algum certame. Não pensei na verdade que fosse ganhar nada, assim que foi muito feliz saber-me ganhadora do Certame literário Xela Arias (convocado pelo IES A Sangriña, da Guarda) e, no mesmo mês, o Certame literário Maria Solinho (convocado pelo instituto de Cangas). Guardo com muito afeto a lembrança desses dias e dessa etapa, no último curso do ensino médio. 

 

Do jornalismo passou à docência. Como está sendo esta nova experiência profissional?

 

Para mim é muito especial voltar às aulas, ainda com outro rol. Sinto-o como uma responsabilidade muito grande porque, ainda que passem anos, seguem vivas em mim as palavras e situações que vivi como aluna. Lembro viver momentos injustos, ser testemunha da apatia do pessoal docente e, também, experimentar aprendizagens fundas e genuínas. Pode semelhar uma parvoíce, mas há mais duma década que deixei o Perdouro e lembro com claridade onde estava sentada e como ecoou em mim aquela primeira vez em que a Cristina Loureiro nos leu em voz alta um poema de Manuel António, a primeira vez que o Bernardo Penabade nos falou de Safo em Literatura Universal, as lições das aulas de Geografia e História com Maribel Crecente, a vertigem nas aulas de astrologia com Gerardo... E assim poderia continuar ad infinitum.


Nota-se o entusiasmo.


É assim. Entro no trabalho docente com muita ilusão, e com muitíssima atenção à contribuição que posso fazer para a aprendizagem do alunado. Em linhas gerais, posso dizer que o meu centro é principalmente urbano, com muito alunado (mais de 1.100 estudantes) e um claustro docente numeroso (mais de 110 profissionais). Leciono por volta de 110 pessoas, divididas em 5 grupos. O trato com o alunado é óptimo: são pessoas muito focadas em tirar muito bons resultados académicos e colaboram e participam muito. Porém, isto também é originado pelas pressões familiares, o qual repercute em ocasiões em problemas de saúde mental entre alunos e alunas. 


Como se dá com o professorado?


No relativo ao professorado, acho que é ainda uma equipa em transformação, após várias décadas com um claustro fixo e muito colaborador. Há muitas pessoas que acabam de se aposentar e ainda muitas vagas por encher com professorado definitivo. Isto, unido ao amplo número de pessoas em itinerância nas instalações, dificultam a consolidação de dinâmicas de trabalho e formação de laços.


Já entrou em comunicação com as famílias?


Entrei. A minha experiência é ainda limitada, mas detecto -felizmente- que boa parte do alunado provém de famílias muito implicadas na formação das suas crianças. São colaborativas e respeitosas. O único aspeto negativo que poderia mencionar é a paisagem linguística dominante: por volta de 90% do meu alunado (e, por extensão, as suas famílias também) fala espanhol, com umas competências em língua galega muito deficientes, o que converte o presente ano académico em todo um reto!

 

Laura Ramos na presentação de Rascamasseiras em Malpica

02/11/21

Alva Pico: "A minha entrada na cultura catalã não poderia ter sido melhor nem mais fácil"



Érica Gomes Mendes


Nascida no Valadouro, Alva Pico está licenciada em Tradução e Interpretação pela Universidade de Vigo e em Magistério pela USC. Contudo, nem as suas titulações nem a dilatada experiência profissional foram suficientes para conseguir um trabalho na sua própria terra e é por isso que está emigrada na Catalunha, onde trabalha como professora de língua inglesa.  Antes foi auxiliar de conversação na Alemanha e professora de espanhol no Instituto Cervantes de Bremen, naquele mesmo país. Por um período de sete anos trabalhou na Catedral de Santiago de Compostela.

Com ela mantivemos uma conversa a respeito do diálogo entre culturas e agora temos o prazer de editar em aberto para a audiência do PGL as suas palavras.

Alva Pico na ponte de Rialto, na cidade italiana de Veneza. 
(Foto: Sónia Sobral)


+ A nossa entrevistada nasceu no Valadouro e passou a viver em Burela. Compare-nos o ambiente linguístico entre estes lugares. Havia grandes diferenças?

- Bom, no Valadouro há um uso do galego total. Em Burela, no entanto, ouve-se algo mais de castelhano, quer porque há mais vizinhas e vizinhos de fora da Galiza e uma parte desta população não assumiu o galego como língua veicular, quer por diglossia (por exemplo, em Burela tenho ouvido mães e pais galegos falar castelhano às crianças ou empregad@s do banco dirigir-se em castelhano às e aos clientes, as quais cousas numa vila mais pequena como é o Valadouro são muito mais difíceis de ver).

+ Como foi o ensino recebido na etapa inicial e na do secundário? Existiu certa permeabilidade ao galego?

- O ensino recebido na escola foi 100% em galego. Era a língua em que nos comunicávamos tod@s, professorado e alunado, quer fora, quer dentro das aulas. O único castelhano que eu lembro ter visto durante esta etapa era nos livros de texto e nas aulas de língua espanhola. Já no ensino secundário (que cursei no I.E.S. de Foz) o panorama mudou algo: o galego continuava a ser a língua maioritária entre professorado e alunado, mas existiam situações diglóssicas -o alunado de famílias galegas dum nível económico superior falavam em castelhano, por exemplo- que não se davam no Valadouro. Mas lembro que vinham ao liceu alguns escritores galegos para promover as suas obras. Também se organizava alguma que outra palestra sobre assuntos linguísticos, como podiam ser as línguas minorizadas, etc. Fica claro que existia uma certa preocupação com a língua.

 

+ Você estudou duas carreiras (Tradução e Magistério). Em qual delas havia um ambiente mais proclive para a nossa cultura.

- Cá acontece algo curioso: Tradução estudei-a em Vigo e Magistério em Santiago. Se bem o uso do galego está mais estendido em Santiago do que em Vigo, usava-se mais na faculdade de Tradução em Vigo que na de Magistério em Santiago, tanto por parte do professorado como do alunado. Suponho que tem muito a ver com a licenciatura: sempre nas facultades de Filologia e Tradução há per se uma inquietude maior com as línguas. De facto, nas outras faculdades do campus de Vigo não acontecia algo assim e o uso do castelhano era esmagador (Engenharias, Direito económico, etc). Na faculdade de Filologia e Tradução o ambiente era muito proclive e, com certeza, era onde mais movimento ativista em prol do galego havia (associacionismo estudantil, etc). Também posso destacar um dado curioso: na licenciatura de Tradução o uso do galego entre o alunado era tão frequente  entre a turma que tinha escolhido o espanhol como língua A (ou primeira língua) como entre  aquela que tinha escolhido o galego. Se calhar, era mesmo superior (mas isso devia ter mais a ver com a procedência geográfica, com as notas de corte, etc).

 

+ Durante vários anos acadêmicos lecionou na Alemanha. Como é o sistema germano de ensino?

- É muito meritocrático, no sentido de que lá as turmas dividem-se por rendimento académico muito cedo. Ao terminar o quinto curso do Ensino Primário, as crianças já são separadas em três níveis: a Hauptschule para aquele estudantado com notas mais baixas; a Realschule para aquele com notas médias e o Gymnasium para aquele com as notas mais altas. O que é muito destacável é que dão muita importância às línguas estrangeiras e tanto na Realschule como no Gymnasium começa-se com o estudo de uma segunda língua estrangeira em sexto. Isto quer dizer que, quando acabar o ensino obrigatório, muito do alunado alemão vai saber, no mínimo, três línguas: alemão, inglês (que costuma ser sempre a primeira língua estrangeira que se estuda) e uma segunda língua estrangeira (é muito habitual que esta seja espanhol ou francês). Aliás, como a Alemanha é um país que tem recebido -e recebe- muita imigração, uma boa parte desse alunado ainda vai dominar mais uma língua: a do âmbito familiar. Isso é plurilinguismo real!


+ Em quantas línguas se desenvolve com fluidez agora mesmo?

-As línguas com as que me desenvolvo com fluência são o galego/português, castelhano, catalão, alemão e inglês. Também tenho conhecimentos de francês, mas esta é a língua com a que menos contacto tenho hoje em dia.


+ Você tem feito diversas colaborações com o Modelo Burela, uma delas no Valadouro. Como é visto desde a distância?

-Acho súper positivo o cosmopolitismo Modelo Burela. Em todas as vilas devia haver uma iniciativa assim. É uma mostra perfeita tanto de interculturalidade e integração quanto de amor e conservação da nossa língua e cultura própria.

 

+ Agora mesmo mora na Catalunha, onde é professora da Língua Inglesa. Como foi o processo de entrada nessa cultura?

- Na verdade foi ótimo. Estava assim algo insegura, porque eu sou muito perfeccionista com as línguas e tinha medo de dar erros (afinal, eu nunca morara na Catalunha e o catalão aprendera-o fora daqui), mas a reação que encontrei nas escolas foi totalmente positiva. Algum colega mesmo me punha nas aulas como exemplo de pessoa que havia muito pouco tempo que cá estava e mesmo assim se comunicava em catalão. Depois, graças a uma amiga que morara cá vários anos, fiz amizades em seguida. Conhecer pessoas do próprio lugar dá sempre a oportunidade de te integrares melhor e de conheceres mais de perto a língua e a cultura, então o processo de entrada certamente não poderia ser melhor nem mais fácil.

 

+ Após os momentos tensos do "procés", estão num momento de calma?

- Acho que nisto notou-se muito a chegada da pandemia: ocultou muito tudo o mais. Sei, pelo que me comentam pessoas conhecidas, que antes a sociedade estava mesmo muito polarizada, não se falava doutra cousa que do procés, havia muitas tensões... Ainda ficam muitos símbolos visíveis, como bandeiras, fitas amarelas, cartazes, faixas... Mas por enquanto, na minha experiência, isso ficou em segundo plano.